22 de fevereiro de 2015

Um Só Coração

Ah, aquela sensação de aumento de oxigenação sanguínea vertendo e reverberendo de um átrio a outro. Foi por isso que um matemático bradou que o coração deveria ter mais razões do que a razão em si mesmada poderia reconhecer. Afinal, podemos viver sem nossos cérebros, os mesmos que são culpados por nos cegarem quando da dilatação da retina ocorrida do fluxo hiperventilado. Mas não podemos, entretanto, vivermos sem nossos corações.

Aí passamos a vida toda crendo que nossa função é, senão, entregarmos nosso sangue oxigenado de um átrio a outro, do meu ao seu. Chico dizia que na batida do seu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu. Quando criança eu ouvindo aquela K7 dizia inconsciente a mim mesmo “se o Chico acredita nisso, quem sou eu a não querer viver”? As princesas da Disney, as músicas populares, as vozes mais doces, as histórias mais gregas. Shakespeare apaixonado e eu paulatinamente aprendendo a querer.

Mas aí veio Cássia entoando Arnaldo e pediu socorro: o coração já nem batia nem apanhava. De tanto que o sangue do outro errara de veia, o coração sucumbiu a tamanha oxigenação, predileção e conversas de outrora. Afinal, quantas escolas artísticas já não haviam sobrepujado o romantismo medieval? Em Barcelona, contudo, Penélope Cruz me contou que o amor só era romântico quando não realizado. Mas a gente não estava justamente querendo doar nosso sangue, não para fins medicinais, para remediar a paz do nosso próprio coração? Será que essa transfusão não existe?

E se eu quiser, pós modernamente, viver um amor que não envolva a salvação, mas queira dizer a camaradagem de se compartilhar uma cama de solteiro? De dividir a porta que boia no mar aberto? E se eu quiser acreditar, por experiência própria, que depois que conheci alguém rompi com o mundo e queimei meus navios? Não. Cartola disse que a vida tritura meus sonhos como um moinho. E Fantine já lá na França de Victor Hugo disse que a vida matou todos os seus sonhos.

A vida hoje quer que sejamos únicos. Especiais. Para nós mesmos. Sempre em busca de outro que, senão, nós mesmos. A aceitação narcisística do amor próprio que aparentemente não compartilha e não divide. Porém a Lucy, não a primeira primata, mas aquela personagem tresvariada da Scarlet, disse que somos todos parte da mesma matéria. Se somos, faz sentido que queiramos entender nossas beiradas e tangentes. Ou deveríamos vivermos o suficiente e bem para descobrimos a empatia – que somos capazes de ser um só?

Se somos uma só matéria, faz sentido também que eu acredite que os astros tenham influência sobre mim e como ariano que sou, vivo por um segundo, sou perecível ao tempo. Afinal a única medida da matéria seria o tempo. Então, repetidas vezes ouvi e acreditei, assim como Calcanhotto, que alguém deveria entrar pela minha porta e mudar minha vida em meia hora. Abdução. Talvez vidas inteligentes de outros planetas, porque neste daqui, não.

Eu quis dizer. Você não quis escutar. Quis ser ariano, taxaram-me de antipático. Quis doar meu coração. Ninguém entendeu que o amor é cartesiano, assim como Pascal bem definiu a falta de sua razão. Portanto é divisão e soma. Mas dívidas, de um para o outro. Doar-se, cobrar-se e entregar-se de novo e de novo. É continuidade. De átrio direito, para o esquerdo e assim infinito enquanto dure, certo, Camões? Mas quanto mais se entrega, mais se perde. Afinal a vida é atroz e não nos ensinou e medir o tempo certo das coisas ou simplesmente navegar sobre a porta no tempo que resta. São cinco minutos na vida da Marisa Monte ou meia hora que se traduzem no beijo que salva as princesas e os príncipes da mesmice dos seus aparentes destinos e os força a viverem felizes para sempre?

Depois que Chico me disse que não sabia com que cara sairia após o fim do grande amor, ele mesmo respondeu que ele tinha pra ele que aquele era, de fato, um grande amor, mas era mentira. E que ele mudaria de calçada acaso encontrasse novamente. Mas assim como a Cinderela dos Grimm, incerta, estou atado no pavimento com piche. Sem saber o que decidir ou se ao mesmo estou pronto para aquilo que deveria querer, eu não vou decidir nada agora. Eu vou deixar uma pista, apenas. E desse modo passivo, passar a decisão para outrem.

No fim, Drummond escreveu tão seguro que amar se aprende amando. Eu, e toda a humanidade, temos ainda muito o que aprender, Carlos. 

Nenhum comentário: