26 de junho de 2025

Vácuo do Eco

Desassociei

Fiquei no vácuo do eco

Engoli o éter a seco

Não cheirei

Seu perfume que a rosa exalou

Não cantei, não chorei

Acabei inundando a planta

A beleza da memória é tanta

Tropeço e faço assustar

Bebo e caminho no ar

Falo o que sonho ou deixo acordar?

Canto ou deixo passar?

Uma antiga canção de ninar

Se ocorre do coração cantar

Não sei o que devo falar

Se essa flor já fui de beijar

Com a certeza que devo chorar

Volto ao jardim do Éden

Eu sozinho em lua cheia

Meu cancioneiro sem roseira

Meu candeeiro sem candeia

Apago meu fogo com areia

Se não brilho, não clareia

Minha noite falta estrela

Pra trocar meu fim

Pra recuperar meu rim

Quero chegar mais perto de mim

Minha memória continua distorcida

E aberta a ferida

Meu olho continua vedado

Sísifo continua encarregado

Troco a pele, troco o fardo

Da cobra? Sou seu melhor lado

Invento meu próprio pecado

Mesmo que me dê sermão

Repleto de daimon

Sou um grande cânion

Não é só um buraco em mim

Sem asa, sem pulmão

Cheguei à beira e pulei

Cavei meu rim com a mão

Fui me entorpecer e voltei

Desassociei




 


14 de janeiro de 2025

Superficial

O vento leva o antigo
Seu amar é marasmo
E você maré mansa
Eu maremoto e sarcasmo
Que a margem não alcança 
Mas nesse sarrafo do destino
Só o porvir traz orgasmo
Já que navega sem tino

O que já é, desatina
A raiz volta pra cima
Um Deus sem povo
A história perde rima
O peso do novo
Loura toda serpentina

Palavra desafina
Troca de linha
Perde semântica 
Desbaratina
Contradição na rinha
Destruição quântica 
Luz que afina
Teoria sem pragmática 
Fé não dogmática 
Luta sem estamina 

A novidade finda
O que a tradição finca
Desmerece a pivotante
Porque a flor é pra fora
Mas o superficial é cintilante 
Pois o profundo ignora
O que foi perde a força 
O que doi pede forca
Crescer nada mais é 
Do que soltar
O que não te quer

7 de janeiro de 2025

Memórias

Vai ter sempre um dia
Um sol, um lírio, uma lira
Uma dança muda, tardia
O balanço manso, uma gira

Vai ter sempre sorriso
Um beijo lento e liso
Último abraço conciso
Podar memórias sem aviso

Uma palavra que se vai
Um olhar que se distrai
Um canto que não sai
Uma ficha que não cai

Mar virando lembrança
Um poema que se cansa
Um adulto sendo criança
A mão não mais alcança

A gente não muda a página
A gente só fecha o livro
Bom dia perde a mágica
Cabeça perde abrigo

Já velho mais uma lástima
Outro encontro que não vibro
Outro café, outra lágrima
O amor vira castigo

Novamente a luz sobe
Reflete a estrela que me vê
A chuva assobia e encobre
Não existe amar em essepê

8 de dezembro de 2024

Vela

Todo dia uma vela
Uma mão que vai à guela
E puxa das vísceras
Uma verdade que escapa
Pra vencer essa névoa
Pra subir essa escarpa
Uma outra persona
Que eu nem vejo
Não acorda ou sonha
Não sinto ou creio
Mas me envereda
Me rodeia, peneira
Lobisomen, lua cheia
Banho de erva daninha
Que me sufoca e anseia
Racha a quartinha
Que se dane esse dano
Me despedaça e macera
Folha de louro seca
Alecrim que não tempera
Não salva nem espera
E da têmpora escorre
A euforia da sombra
A cantoria do samba
A pulsão e o tesão
A navegação de Teseu
O que nem vive ou morre
Afunilando a tristeza
Incerteza de céu aberto
De peito farto e certo
Acerta a veia e jorra
O pouco do ouro do outro
Que pedra é essa?
Que pele habito?
Não sei se vou ou fico
Como convencer o sol
De outra volta
Como convencer a mim
De outra nota
Se prende, se solta
E mesmo cavando
Não tem raiz, não tem fim
Tem um palco de giz
Um pouco de sim
Mas nunca completo
Ou de verdade
Ou sem afeto
E repete que pode
Que sabe, que é
E mente, convence
E desaba em pé
Porque toda hora é hora
Todo dia é dia
Todo canto é reza
Toda vela, magia

1 de novembro de 2024

Lago

Meu eu de si
Sobra soberano
Majestade inflamada
Do ente querido, nada
Pétalas rasgadas
Pano que vela a estrada
Estreita floreira queimada
Há anos abandonada
Se revela mandala
Se desvela desapaixonada

Olho pro lado
Olho pro lago
Repara o lodo
Repara o outro
Repete a gente
Engodo
Carrega a frente
E mente
Uma verdade de fim
Uma notícia de mim
Convoca um fronte
Cerra a fronte
Invoca um mote
Muda o plot
E longe da marina
No intervalo da retina
Enamora a solidão

Escorre pela mão
Vento, flor, um não
Buraco no peito, vão
Esvazia invasão
Caminha rasteiro
De grão em grão
Festeja sorrateiro
Hora parte, hora inteiro 
Sem solução
Sem eira, nem beira
Conclusão 

25 de maio de 2024

Deserto

No deserto
Minhas pegadas
Se misturam com o vibrar
De um mar que rumou pro fim
E meu cansaço se faz ouvir
Por todos os leitos de mim

A sanidade que se esgueira
Faz do vento um cômodo
Em meu castelo de areia
E cartas incrustadas
Tão certas como temporal
Tão firmes tal o inconsciente
Nas horas esgotadas

E o movediço começo
Na miragem do que sou
Assíncrono com o que restou
Em sintonia com o fogo
Qual de ser pro que se é?
Ou tornar-se sendo?
Um humano crendo
Que por baixo da cicatriz
Há mais do que se quis

Incrédulo do seu porvir
Ou fiel ao seu conforto
O que de mim precisa ser morto?
O que se faz porto?
Ou nimiamente pouco?
E se chance houver?
O que há além da maré?

22 de fevereiro de 2024

Silêncio

Como confiar no silêncio?
Confio no meu escuro
Fruto maduro e escuso
Furo intruso e intenso
Fluxo imenso e difuso
Que vasculha, instaura
Âmago que permeia, restaura
Decanta e incendeia aura
Que fundifica a luz
Que o afeto traduz
Em ensimesmada cruz
Que hora marca, hora jorra
Nunca fraca, nunca joga
Pois tudo sabe
Ainda que tão pouco
Ainda que tão fundo
Mesmo que desabe
Mesmo que louco
Não é todo mundo
E faz sua anábase
Refaz seu moinho
Reformula a frase
Dirige seu próprio sonho
Ainda que devagarinho
Se olha risonho
Faz muitos caminhos
Ainda que sozinho
Se imagina bonito
Faz do samba infinito
Com mais de mil compassos
Pois não aceita mais escassos
Não acata mais incêndios
Não confia nos silêncios