Ah, aquela sensação de aumento de
oxigenação sanguínea vertendo e reverberendo de um átrio a outro. Foi por isso
que um matemático bradou que o coração deveria ter mais razões do que a razão
em si mesmada poderia reconhecer. Afinal, podemos viver sem nossos cérebros, os
mesmos que são culpados por nos cegarem quando da dilatação da retina ocorrida
do fluxo hiperventilado. Mas não podemos, entretanto, vivermos sem nossos
corações.
Aí passamos a vida toda crendo
que nossa função é, senão, entregarmos nosso sangue oxigenado de um átrio a
outro, do meu ao seu. Chico dizia que na batida do seu coração, meu sangue
errou de veia e se perdeu. Quando criança eu ouvindo aquela K7 dizia inconsciente
a mim mesmo “se o Chico acredita nisso, quem sou eu a não querer viver”? As
princesas da Disney, as músicas populares, as vozes mais doces, as histórias
mais gregas. Shakespeare apaixonado e eu paulatinamente aprendendo a querer.
Mas aí veio Cássia entoando
Arnaldo e pediu socorro: o coração já nem batia nem apanhava. De tanto que o sangue
do outro errara de veia, o coração sucumbiu a tamanha oxigenação, predileção e
conversas de outrora. Afinal, quantas escolas artísticas já não haviam
sobrepujado o romantismo medieval? Em Barcelona, contudo, Penélope Cruz me
contou que o amor só era romântico quando não realizado. Mas a gente não estava
justamente querendo doar nosso sangue, não para fins medicinais, para remediar a paz do
nosso próprio coração? Será que essa transfusão não existe?
E se eu quiser, pós modernamente,
viver um amor que não envolva a salvação, mas queira dizer a camaradagem de se
compartilhar uma cama de solteiro? De dividir a porta que boia no mar aberto? E
se eu quiser acreditar, por experiência própria, que depois que conheci alguém
rompi com o mundo e queimei meus navios? Não. Cartola disse que a vida tritura
meus sonhos como um moinho. E Fantine já lá na França de Victor Hugo disse que
a vida matou todos os seus sonhos.
A vida hoje quer que sejamos
únicos. Especiais. Para nós mesmos. Sempre em busca de outro que, senão, nós
mesmos. A aceitação narcisística do amor próprio que aparentemente não
compartilha e não divide. Porém a Lucy, não a primeira primata, mas aquela
personagem tresvariada da Scarlet, disse que somos todos parte da mesma
matéria. Se somos, faz sentido que queiramos entender nossas beiradas e
tangentes. Ou deveríamos vivermos o suficiente e bem para descobrimos a empatia
– que somos capazes de ser um só?
Se somos uma só matéria, faz
sentido também que eu acredite que os astros tenham influência sobre mim e como
ariano que sou, vivo por um segundo, sou perecível ao tempo. Afinal a única
medida da matéria seria o tempo. Então, repetidas vezes ouvi e acreditei, assim
como Calcanhotto, que alguém deveria entrar pela minha porta e mudar minha vida
em meia hora. Abdução. Talvez vidas inteligentes de outros planetas, porque
neste daqui, não.
Eu quis dizer. Você não quis
escutar. Quis ser ariano, taxaram-me de antipático. Quis doar meu coração. Ninguém entendeu que o amor é cartesiano, assim
como Pascal bem definiu a falta de sua razão. Portanto é divisão e soma. Mas dívidas, de um para o outro. Doar-se, cobrar-se e entregar-se de novo e de novo. É
continuidade. De átrio direito, para o esquerdo e assim infinito enquanto dure,
certo, Camões? Mas quanto mais se entrega, mais se perde. Afinal a vida é atroz
e não nos ensinou e medir o tempo certo das coisas ou simplesmente navegar sobre a porta no
tempo que resta. São cinco minutos na vida da Marisa Monte ou meia hora que se
traduzem no beijo que salva as princesas e os príncipes da mesmice dos seus
aparentes destinos e os força a viverem felizes para sempre?
Depois que Chico me disse que não
sabia com que cara sairia após o fim do grande amor, ele mesmo respondeu que
ele tinha pra ele que aquele era, de fato, um grande amor, mas era mentira. E
que ele mudaria de calçada acaso encontrasse novamente. Mas assim como a
Cinderela dos Grimm, incerta, estou atado no pavimento com piche. Sem saber o
que decidir ou se ao mesmo estou pronto para aquilo que deveria querer, eu não
vou decidir nada agora. Eu vou deixar uma pista, apenas. E desse modo passivo,
passar a decisão para outrem.
No fim, Drummond escreveu tão
seguro que amar se aprende amando. Eu, e toda a humanidade, temos ainda muito o
que aprender, Carlos.
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